quinta-feira, 24 de março de 2011

Amós, Israel e o prumo divino – parte 1

Nestes últimos dias tive minha atenção voltada para as palavras escritas por um “boiadeiro e plantador de sicômoros” – essa a definição que Amós faz de si mesmo em resposta a Amazias, sacerdote de Betel que o ameaçava, incomodado com a força de sua mensagem. Durante a leitura observo a forma sem rodeios com que a mensagem foi transmitida. Coisa de homem do campo acostumado a lidar com o gado, com as intempéries que dificultam o ato de retirar do solo, o pão de cada dia, com a rusticidade de sua própria vida.
Amós não era sacerdote ou escriba. Tampouco levita. Sequer fazia parte da religião judaica oficial. Amós era um homem simples do campo. Era isso o que ele era e estava contente. Não se sentia “profeta”, embora seu coração ardesse com a revelação do plano de Deus para algumas nações gentias e para seu próprio povo.
Fecho os olhos e pareço ouvir o clamor profético de Amós. Sinto a intensidade de sua voz. Aquele homem recebeu algo de Deus e sua voz denota a urgência e a gravidade da mensagem. Ainda de olhos fechados percebo algo que me deixa meio atordoado: Deus espera que seu mensageiro seja ouvido também por nações gentias. Isso mesmo! A mensagem divina deve chegar aos ouvidos de nações alheias ao judaísmo, aparentemente fora do raio de ação do Deus de Israel.
A mensagem é simples: Deus traria juízo sobre aqueles que haviam ferido e oprimido de alguma forma o povo escolhido. A primeira parte da mensagem de juízo, certamente deixou os judeus contentes. Seus opressores seriam julgados e sofreriam severo castigo. O incômodo surgiu ao ouvirem a segunda parte da mensagem: Deus traria também, juízo sobre o povo de Judá e Israel por seus delitos e pecados. É assim que Deus age. Ele guarda e ampara os seus e traz juízo sobre aqueles que oprimem seu povo de alguma forma. Porém, como pai zeloso e Deus santo e justo que é, Ele não deixa que os pecados de seu povo passem despercebidos e sem o devido pagamento.
A missão do profeta não era fácil. Deus lhe ordenara que partisse de Judá e proclamasse sua mensagem de juízo no Reino do Norte (Israel), chamando o povo ao arrependimento. Sob o governo do rei Jeroboão II, a nação de Israel alcançou grande prosperidade. Como nos dias atuais, a prosperidade econômica era vista como sinal da aprovação divina, portanto, ninguém queria acreditar num profeta com uma mensagem de juízo. Deus, decididamente não faria isso, não naquele momento. O que ninguém queria considerar era o fato de que Jeroboão II, como todos os reis do Norte antes e depois dele, era um homem desobediente ao Senhor, e a nação, como um todo, não ficava atrás. O juízo de Deus sobre Israel não era repentino. Ela estava chegando após séculos de idolatria, de rebeldia e de incontáveis mensagens de advertência divina.
Quando o “boiadeiro profeta” começa a falar, alguns dos ouvintes ficam pasmados, amedrontados, temerosos dos juízos preditos pelo homem de Deus. Outros como o sacerdote Amazias, de Betel, se revoltam e tentam calar a voz incômoda daquele homem simples que ousa apresentar-se como porta-voz dos céus, fazendo uso de sua posição e influência política como arma, na defesa de seu “território”, tão arduamente conquistado com lisonjas e negociações, ou melhor, negociatas, inclusive de princípios éticos e espirituais inegociáveis.
O carcomido sacerdote de Betel tenta impor limites para a ação do profeta: “Depois Amazias disse a Amós: Vai-te, ó vidente, e foge para a terra de Judá,e ali come o pão, e ali profetiza; mas em Betel daqui por diante não profetizes mais, porque é o santuário do rei e casa real” (7.12,13). Provavelmente Amazias não conhecera a Deus com intimidade, caso contrário teria compreensão do fato de que, quando Deus dá uma missão para um servo seu, concede-lhe também, a autoridade para representá-Lo. Amós era, naquele momento, o representante autorizado do Deus Altíssimo. Portanto, rejeitar Amós era o mesmo que rejeitar Aquele que o enviara. O presunçoso sacerdote não entendia que não há fronteiras para o domínio divino. O Deus onipresente não pode ser detido por quaisquer barreiras. Nada nem ninguém podem impedi-lo em seus propósitos. Ele é soberano sobre céus e terra. Todo o domínio está em suas mãos. Nada escapa ao seu controle, mesmo a vida daqueles que se recusam a reconhecer sua soberania.
Este relato serve para nos ensinar também, que prosperidade e conforto não significam necessariamente aprovação divina. Israel experimentava prosperidade jamais vista desde os dias de Davi e Salomão – cerca de 200 anos antes. No entanto, deixaram de andar segundo o Senhor. Aquele povo tinha um passado religioso glorioso, mas o presente se sobrepõe ao passado. E, no presente haviam deixado de obedecer a Torá, trazendo sobre si o castigo prometido por Deus sobre toda iniquidade cometida.
Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo? Essa pergunta revela a visão e o sentimento divinos acerca do nível e da qualidade do relacionamento entre o povo de Israel e seu Deus. Não estavam mais em acordo. Não havia mais comunhão, embora a prosperidade do reino pudesse dar essa idéia ilusória. Como então, andariam junto, Aquele que é santo em toda sua plenitude e um povo que optara por viver em iniquidade?
Impressiona-me o quanto podemos nos enganar com uma aparente prosperidade e não nos darmos conta do quanto nos distanciamos de Deus. Israel mantinha várias práticas religiosas, repletas de liturgia e cerimoniais grandiosos, porém, destituídos de vida. Isso não é muito diferente nos dias atuais, onde muitos praticam um cristianismo cheio de pompa, com uma liturgia requintada, recheado de palavras de ordem cunhadas por psicólogos cujo objetivo é deixar todos de bem consigo mesmos; um cristianismo baseado nos pilares fundamentais do pós-modernismo: relativismo, liberalismo, hedonismo e consumismo. Todavia, destituído do principal: vida com Deus.
Da mesma forma que Israel precisava voltar atrás e reconhecer seu erro em distanciar-se de Deus, precisamos hoje, urgentemente, fazer o mesmo. Precisamos repensar nossas práticas litúrgicas e nosso ativismo religioso. Temos que responder algumas questões, a meu ver, essenciais: Para onde estamos nos encaminhando? Onde nossos objetivos pessoais e eclesiais nos levarão? Nossos objetivos glorificam a Deus ou a nós mesmos?

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